Alcides Celso O. Villaça, Clássico 1966
Visitar (apenas agora...) este site dedicado ao velho Culto à Ciência foi para mim uma experiência ao mesmo tempo mágica e dolorosa. Reconheci muitos jovens amigos que envelheceram e velhos colegas que, de súbito, rejuvenesceram e foram parar na década de 60. Entre eles estava eu mesmo. “Toda história é remorso”, disse Drummond. Remorso do que já fomos e sobretudo, de tudo o que não pudemos ser. Pela magia da memória, os alumbramentos da vida convivem com os apagamentos do tempo. Visitar fotos antigas, reconhecer o tempo dos rostos luminosos e confiantes, é abrir nossa ferida nostálgica, é reconhecer a duração do tempo em nosso corpo e em nossa consciência.
No Culto à Ciência fui feliz. Ele constituiu um repertório de imagens, de pessoas, de casos, de experiências que se agregaram definitivamente a todas as minhas percepções. A imagem-síntese dessa felicidade talvez esteja numa última aula de um fim de tarde, provavelmente de outono. Desatento ao professor, eu olhava pela janela a caprichosa renda de luz que o sol ainda tramava entre as ramas e as folhas de um flamboyant. Senti-me feliz, talvez porque estivesse, naquele momento, intuindo que vivia um momento simples e intenso da minha adolescência. E quem é que se preocupa em bem compreender a felicidade, quando a tem? Visitando este site, dei com minha foto de adolescente, ao lado de rostos familiares. Não sei quem gritou mais alto dentro de mim, se Narciso, ou o Tempo.
Explorei
o site o quanto pude: fotos, depoimentos, documentos, evocações, festas... E
dei por uma falta imensa – que me levou, mais do que tudo, a escrever esta crônica.
A falta de uma Professora. A falta
Dela. A falta de quem, nos seus seis ou sete anos de magistério no Culto à Ciência,
tornou-se uma referência de vida para uma grande parte de seus alunos. Uma das
maiores vocações de professor que encontrei em minha vida de professor.
Estrela guia, mestra de saber, de vida e de experiência. A falta que faz Margot
Proença, nossa professora de Filosofia nos meados dos 60, amiga minha
brutalmente arrancada da vida ainda jovem, exuberantemente jovem. Sua vitalidade
foi seu pecado maior, sua condenação.
Não tentarei falar dela. Quem a
conheceu, conheceu, e provavelmente nunca mais foi o mesmo.
Querida Margot: reproduzo aqui, no
site de nossa escola longínqua, um poema que fiz pra você, publicado num livro
que também já vai longe: “O tempo e outros remorsos”, Ática, 1975.
Cheio
de saudades, ainda com as marcas de tua amizade pura e profunda, do teu aluno e
amigo de sempre
Horizontal
Para
a Margot
I.
Tua falta é toda
horizontal.
Como teus braços
que
não cabiam entre estátuas
requisitando
espaços
desconhecidos.
Teus
amigos nunca marcaram
teu
limite ilimitável. Eras de todos
e
de ninguém, como também sabias
te
ausentar, presente,
e,
longe, nos saudar.
Não
perdeste a mania.
Ficou
nuns versos que leste
para
mim, sem exclusividade,
a
marca de uns lábios eternamente fantasmas
que
reclamarão eternamente por vida.
Querias
vida, ela te queria,
como
irmãos que se entendem.
II.
Tua
falta é toda
horizontal.
Teu corpo se ressentia
de
ar em pleno campo, e o suprias
no
leque dos gestos largos
empinadores
de nuvens.
Tudo
em volta contaminação.
Gostaste
das palavras. Pegaste
Em
minha mão para a cartilha imensa
de
ti mesma , e enfileiraste amigos entre
dedos
e anéis mágicos, dentes
dolorosos,
marcas.
Prevenias
vingativamente
uma
ausência súbita: vivias pelo tempo que sempre
te
faltaria, fosse em ti incontável,
em
ti se reduzindo.
III.
Tua
falta é toda
horizontal.
Não atinge de vez,
de
sempre fantasma que reclama a colheita.
Por
isso te censuras, sorrindo,
o
que de teu sorriso não frutificou.
Não
frutificou o grito agudo de morte.
Não
frutificou um abandono a todos os desesperos.
Não
frutificou a inocência entre as relatividades.
Teu
fruto único é o horizonte, a suavidade
da
tua falta, o conforto da tua falta.
Pois
já existiu quem faltava
e,
sem dor, nos faz companhia.
© Carlos Francisco Paula Neto - última atualização em
01/02/2016
e-mail : carlospaula@cultoaciencia.net