Coincidências: há algum tempo, quando meu filho era adolescente,
entrou para um grupo de jovens patrocinado pela Maçonaria. Para freqüentar as
reuniões, que sempre eram nas tardes de sábados, combinava com outros colegas
que faziam parte desse grupo e, juntos, no mesmo carro, eu os levava a uma
cidade vizinha. Na primeira reunião, também fiz parte, como assistente, mas
percebi que minha presença poderia tolher a liberdade dos jovens. Sendo assim,
nas demais reuniões, que eram mensais, procurei deixá-los à sós e aproveitei
o tempo para uma visita ao shopping center recém-inaugurado. Na outra reunião,
fui ao cinema. As reuniões desse grupo eram realizadas numa loja próxima ao
cemitério da Saudade, nesta cidade. No sábado seguinte, como a reunião iria
demorar, fiquei estacionado junto ao portão lateral desse cemitério. Por
curiosidade, entrei. Minha emoção era aumentada, cada vez mais, pela
arquitetura dos túmulos e das imagens. Tendo estudado na minha juventude nesta
cidade, pude vislumbrar pessoas que tinham já falecido, algumas conhecidas.
Realmente, me surpreendia com as datas e os fatos relatados nos túmulos que
constituíam a história daquela metrópole. Circulei por grande parte do
cemitério, sempre detendo-me e relacionando-os com os acontecimentos de cada
época. Cada jazido trazia consigo algumas explicações: doenças, pestes,
crimes, perseguições políticas... Túmulos enormes e arquitetônicos
homenageavam figuras e vultos notáveis daquela cidade. A tarde ia caindo,
quando comecei a sentir a presença de algumas pessoas, bem vestidas, com trajes
escuros, que chegavam em cortejo. Percebi que acompanhavam o sepultamento de
alguma pessoa importante da cidade. Aproximei-me e acompanhei o féretro. Olhava
para as pessoas sem conhecer nenhuma, eram todas estranhas. Mesmo assim,
continuei junto a elas, mas notei, também, que não se preocupavam com a minha
presença. Afinal, para velório, todos estão convidados, não há necessidade
de comunicações antecipadas. Por fim, chegando ao lugar do sepultamento, a
urna seria depositada no jazigo, e foi quando começaram os discursos em
homenagem ao falecido. Vários oradores usaram da palavra para enaltecê-lo,
graças à sua participação na sociedade como benfeitor e filantropo. Disse um
dos oradores que sua vida fora pautada na ajuda ao próximo, principalmente à
criança carente. Quando o primeiro orador referiu-se ao falecido, mencionando
seu nome, senti uma grande emoção. Estava sendo sepultado naquele momento
aquele meu velho professor do colégio. Fiquei perplexo. Confuso. Teria havido
coincidência para eu estar naquele momento no cemitério e prestar, sem querer,
uma ultima homenagem ao tão dedicado e inteligente mestre? Por muito tempo
essas cenas não sairiam de meu pensamento. Terminado o sepultamento, a comitiva
se desmanchou. As pessoas, rapidamente, se iam retirando naquela tarde que já
escurecia. Eu também fui me retirando, pois a reunião de meu filho estava
acabando. Num dos corredores laterais do cemitério, alguém me chamou. Fiquei
surpreso e assustado. Quem me estaria chamando se eu não tinha reconhecido
ninguém no cortejo? Era seu sobrinho quem me chamava e ainda pelo nome. Ele
havia morado em minha cidade e sabia que tinha sido aluno de seu velho tio.
Abraçando-me, cumprimentou e agradeceu a minha presença naquele momento tão
triste de despedida, e ainda concluiu: “Na hora da morte, é que se conhecem
as pessoas que gostam e nos admiram. Pude acompanhar o trabalho de meu tio como
professor por mais de trinta anos e aqui vi raros alunos... Muitos alunos ocupam
lugar de destaque na sociedade, na região e em nosso país e aqui não
estiveram... É muito triste como as pessoas esquecem e não reconhecem...”.
Não pude dizer nada em contrário. Foi uma oportunidade que tive de
homenageá-lo, embora por coincidência. Mas, coincidência ou não, eu estava
lá no velório do velho professor amigo e ainda recebi o agradecimento de seus
familiares. Meu filho e seus colegas saíram da reunião, subimos no carro, e eu
ainda olhei, mais uma vez, para o cemitério, incrédulo com o acontecimento. Na
viagem nada comentei aos acompanhantes. Eles eram ainda muito jovens para
entender as coincidências da vida e as razões de estarmos nela... JH
Fozati Cosmópolis/SP