Onze anos de idade, de paletó e gravata (é por isso que a
gravata, tão abominada por tantos, a mim não faz a menor diferença), lendo
todos os clássicos das literaturas brasileira e portuguesa. Os portões eram
acorrentados depois de dado o sinal e só eram abertos na hora da saída. Certo
dia, inventei de ir embora antes da hora, não sei por quê. Não deve ter sido
por medo de alguma argüição ou prova pois, embora nunca tenha sido aluno
brilhante, não deixava de estar em dia com essas coisas. Acho que foi uma
daquelas vontades que até hoje temos de, de repente, fazer, como se diz em inglês,
um day off. Pois bem, como conseguir a
dispensa? Tiana, a querida Tiana que trabalhava em casa, sofria de cólicas
horríveis, chorava mesmo de dor e, para mim, nada podia ser pior que a cólica.
E já imaginou cólica numa criança?! Pois foi esse o meu argumento: eu estava
com cólicas. Fui falar com a orientadora educacional, Dª Celina Duarte
Martinho, e me lembro como se fosse hoje: quando lhe disse o motivo pelo qual
queria ir embora, ela se pôs a rir incessantemente, não aquela gargalhada
sonora, porque isso não se adequava à rigidez do colégio nem à sua postura
ali, mas aquela risada silenciosa, contida, que faz balançar o corpo.
Pois Dª Celina chamou a outra Celina, inspetora de alunos, pediu-lhe a minha
caderneta, assinou nela a dispensa e fui-me embora.
Pouco tempo depois, quando vim a saber o que eram as cólicas, ao mesmo
tempo em que me diverti com a coisa, fiquei intrigado: como, com aquela rigidez
toda, Dª Celina me havia dispensado? Mas a resposta me veio fácil: a minha
ingenuidade afagou-lhe o coração muito mais do que a minha mentira lhe agrediu
a razão. Um
beijo, Dª Celina! Guilherme
Nucci