Aos
Mestres, o meu carinho
GUILHERME
PACHECO E SILVA NUCCI, ABRIL de 2003
Profª Quinita Ribeiro Sampaio
Profª Zilda Kaplan Rubisnky
Prof. Jacques Martins
Prof. Amaury Fratinni
Prof. Moacyr
Santos de Campos Profª Mathilde Pettine
Prof.
Pedro
Calazans
Prof. Lívio Thomaz Pereira
Profª
Eclair
Faraht
Profª Maria José Marques Camargo
Profª
Maria Ap. Motta Aguiar
Profª
Maria Aparecida Motta Aguiar (Mariinha)
Vou lhes contar uma coisa piegas, sem dúvida, mas que, dentre as inúmeras coisas maravilhosas que eu vivi naquele encontro dos
125 anos, esta foi uma delas.
Quando vi Dona Mariinha, fui falar com ela, assim como todos foram. Ela, sem enxergar, fiquei de cócoras a seu lado e começamos a conversar, ela segurando a minha mão. Ficou tentanto me localizar no tempo, mas não encontrava uma referência. De repente, me lembrei de uma coisa que talvez pudesse levá-la a uma lembrança, se não de mim, pelo menos de um fato entre ela e mim, e, então, lhe contei.
Certa vez, ela informou que, na aula seguinte, todos nós deveríamos fazer um exercício do qual não tenho a mais mínima noção do nome, mas que era "cantar" uma música qualquer (mas não daquelas bem populares que cantávamos) só fazendo hum-hum-hum (alguém sabe como se chama isto?). E ela deu um exemplo, dizendo que poderia ser o Hino Nacional.
Pois bem; aula seguinte, ela começou a chamar um a um e todos que iam lá na frente entoavam o Hino Nacional. Quando chegou a minha vez, eu - muito do metido, como se diz - entoei a La Traviata e ela extasiou-se.
Quando terminei de contar-lhe isto, ela me disse: "Eu me lembro disso, mas você ainda sabe a La Traviata?" Eu disse que sim e ela me pediu para entoar. Entoei e, à medida que eu o ia fazendo, ela ia apertando mais a minha mão. Quando terminei, ela só disse: "Ainda existe alguém que conhece La Traviata."
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Profª
Zilda Kaplan
Muita gente tinha dificuldade com as declinações, não
é? Pois eu não tinha, tirava de letra. Lupus-lupi. Mas, se a gente
pensar um pouco, é uma coisa incrível: primeiro, porque acho muito engenhoso
que uma palavra possa assumir várias formas dependendo do sentido em que é
usada e, segundo, que é muita piração uma só palavra poder ser escrita de
várias formas. Será que consegui me explicar ou teria me feito confusus?
Há muitos anos, minha mulher e eu falávamos do
latim e meus filhos nos perguntaram isso e aquilo. Explicamos como era a coisa
e eles acharam inacreditável. Fui dar um exemplo e me lembrei da declinação
do "que" no singular (porque no plural já não me lembro mais
e, mesmo no singular, talvez nem esteja cem por cento certo). Eles acharam uma
doideira, depois que eu lhes disse que o "que", só no singular,
podia ser qui-quae-quod / cujus / cui / quem-quam-quod / quo-qua-quo.
Dª Zilda. O seu
andar calmo, miúdo, os pés voltados para dentro, lá vinha ela no fundo do
corredor. Acho que se se pusesse nela uma saia longa, até o chão, a gente a
veria deslizar como aquela coreografia das bailarinas russas do Ballet de
Bolschoi.
Não vou falar muito da Profª Zilda e não por desdouro; ao
contrário, merece o lugar especial que ocupa no meu coração. Não vou fazê-lo, porque o
Carlos Francisco já disse dela aqui neste espaço tudo que eu teria
pra dizer: da sua docilidade, da sua paz e, não contente em falar de todos
os seus predicados de caráter, falou ainda da pasta marrom. Meu Deus, em
que recôndito de minha memória ficou escondida por tantos anos a pasta
marrom?! Essa sua lembrança, Carlos, foi genial!
Prof.
Moacyr
O Prof.
Moacyr, muito antes de ser meu professor e de construir sua casa na Av. Barão
de Itapura, pegado onde hoje é a Unimed, foi meu vizinho de muro. Eu
ainda era criança e regulava de idade com a Soninha, sua filha mais velha (além
dela, tinha o Juninho que, imagino, fosse uns 3 anos mais novo que a Soninha).
Dª Ada, sua esposa, um encanto de criatura, bonita, elegante, suave (aliás,
ela está numa daquelas fotos históricas, de óculos escuros, bem como está
ali o Juninho, agarrado à perna do Sr. Moacyr. Confiram). Eu brincava muito
com a Soninha. Lembro-me de uma vez que resolvemos montar uma cidade com uns
brinquedos e eu tive a idéia de fazê-la com neve, utilizando açúcar
cristal que minha mãe sempre tinha para fazer ameixa recheada (hoje,
olho-de-sogra) nos aniversários. Fui pra casa e disse à minha mãe que Dª
Ada havia pedido açúcar cristal emprestado. E, maravilhoso!, mentira
descoberta, não só nada nos aconteceu de mais grave, senão uma breve lição
de moral em tom light, como me lembro de minha mãe e Dª Ada rindo
da história. Só pode ter sido porque a causa era nobre: um brinde à
prematura criatividade cênica.
Nessa época, ele já tinha o Chevrolet branco e
como o portão de sua casa, um portão alto, não parava aberto, ele fez um
aparato de arame grosso, assim no formato de uma raquete de ping-pong, que ele
prendia, elo menor num arabesco do portão, elo maior num pilarzinho de
concreto junto ao muro.
Certo dia, roubei o aparato e, dia seguinte (será que
toda criança era boba assim ou só eu?) fui vê-lo tirar o carro da garagem.
E o homem procura que procura o tal arame e...nada. Daí, perguntei o que ele
procurava e ele me respondeu. Eu disse, então, que tinha um igualzinho e
podia emprestar. E emprestei. Preciso contar da bronca?
Ele se mudou dali, mas a gente se via de vez em
quando, até que vim a ser seu aluno. A imagem mais típica que tenho dele
como professor era uma risadinha safada que ele dava na hora que escolhia alguém
para a argüição que fazia em todo início de aula. Mas ele era muito
legal. Aquele seu jeitão de Prof. Silvana era mera figura. Um cara muito
legal!
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Profª
Mathilde Pettine
Fui aluno dela durante um ano, não me lembro qual,
e, para dizer a verdade, eu não teria por que escrever algo específico
sobre a DRA. Matilde Pettine enquanto professora e boas recordações.
Se bem que eu nada tivesse de específico contra ela, nada tinha a favor, e
embora nem fosse antipática, propriamente, havia ali um senãozinho: ela
era muito arrogante! Creio que a melhor palavra para defini-la
seria vaidosaça, e como toda pessoa muito vaidosa só não é incômoda para
os pais, marido/mulher e filhos, ela era muito desconfortável. Entretanto,
ela merece de mim um elogio enquanto cidadã e é esta a razão de eu estar
aqui a falar dela. Era a tal Non Scholae Sed Vitae, que ela criou e manteve
durante muitos anos. Vocês se lembram disto? Se se lembram ou não, aqui vai
da mesma forma.
Ela fundou uma entidade com aquele nome em latim -
"Não a escola, mas a vida" -, uma entidade sem fins lucrativos,
cujo único objetivo era premiar, anualmente, as virtudes. Isso se dizia:
premiar as virtudes. Então, premiava-se desde aquele que havia encontrado uma
carteira cheia de dinheiro e a devolvera intata ao dono, como atitudes menos
materiais, como o apoio moral de alguém a outro alguém. A entidade ia
"colecionando" durante o ano os casos de boas virtudes praticados
por todo tipo de cidadão, quer buscando por seus próprios meios, quer
recebendo indicações/informações de terceiros. Para dizer a verdade, acho
que tal entidade nem tinha sede e funcionários, senão ela mesma, pessoa física, sendo
a sede e o staff.
Eu fui a uma cerimônia anual de premiação,
provavelmente no ano em que estudei com ela. Foi no auditório da PUC/Marechal
Deodoro (aliás, era a única na época e nem se chamava PUC). Dentre os
premiados, sabe quem estava ali? O Tojal, nosso contemporâneo e, depois,
professor de educação física do Colégio. O que ele havia feito? Num dia de
chuva, o bonde 6 do Cambuí subia a General Osório em direção à Júlio de
Mesquita, quando começou a patinar e o motorneiro (motorneiro é ótimo, n'é
não?) não estava conseguindo segurar o bicho. Tojal, então, foi para a
outra cabine do bonde, a de trás, e conseguiu freá-lo por lá.
Durante a minha vida, foram várias as vezes que tentei
vender a idéia de coisa semelhante nas empresas em que trabalhei, mas
nunca consegui eco. Talvez o que tenha me faltado, mesmo, tenha sido o empenho
e a disposição para fazer acontecer, coisas que aquela mulher baixinha e
arrogante teve.
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Prof.
Jacques
Como era eu bom em inglês, o Prof. Jacques gostava de
mim. Certa vez, ele deu-me, durante uma aula, um artigo de revista
para ler. Não sei se eu já havia terminado uma atividade que ele
desenvolvia em sala ou o quê, mas o fato é que pegou de uma Time
aberta numa página e me deu para ler. Era um artigo sobre uma experiência
científica com plantas, algo relativo à clorofila, especificamente. Confesso
que o assunto técnico+inglês-da-Time era um pouco demais para o meu caminhãozinho,
mas não consegui decepcioná-lo: quando terminei de ler e devolvi a ele a
revista, ele me perguntou "Incrível, não?" e eu não tive coragem
de dizer outra coisa a não ser "Nem diga!!" e, com toda a
sinceridade que me é possível, não foi para me fazer de sabereta, mas para
não frustrar aquela confiança no meu taco que ele demonstrou ter. Fiz
errado?, fiz certo?, não sei. Foi o que me ocorreu fazer e mesmo hoje,
olhando com as lentes do ontem, acho que faria do mesmo jeito.
Outra marca registrada dele, além dos sapatos de
grossas solas de borracha: o terno cor-de-rosa.
Vou contar: falo inglês e o aprendi única e
exclusivamente com o que tive no Culto à Ciência. Nunca fiz curso algum. É
claro que fui, durante a vida, me interessando por ler e ouvir coisas nessas línguas.
Por exemplo, sou incapaz de assistir a um filme, em qualquer língua que seja,
sem ler e ouvir simultaneamente. Até mesmo nas línguas que desconheço, como
um alemão, por exemplo (Êta língua feia!. Essa eu nem quero aprender. Xô!).
Eu não posso afirmar isto, porque não conheço o
processo pedagógico de idiomas, mas para mim, leigamente, acho que aquele
processo do Prof. Jacques de ensinar por versão é que fez a diferença.
Aquilo era genial! O cara dava uma história inteira em português para que a
trouxéssemos na aula seguinte vertida para o inglês, usando tão
somente o dicionário e os conceitos de gramática que ele passava nas aulas.
Fantástico!!! E, justiça seja feita, havia aquela base sólida que me havia
dado a Profª Maria de Lourdes Pimentel nas séries anteriores.
Havia muita gente que não gostava dele, mas é assim
mesmo. Até os professores mais idolatrados, há quem deles não goste. Fazer
o quê?
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Prof. Lívio
Eu morei, desde nascer até me casar, na rua Joaquim
Novaes e, curioso, muitos professores moraram, em épocas diferentes, naquela rua
de apenas 300 metros: Dª Quinita, Sr. Moacyr, Sr. Lívio e Dª
Maria Helena Valverde. Como se não bastasse, pegado à casa da Maria
Helena, moravam os pais de Dª Celina. E no edifício onde morou Dª
Quinita, antes havia a casa onde, durante décadas, morou Dr.
Carlos de Paula, pivô deste nosso delicioso site.
"Seu" Lívio. Casado com Dª Laís,
moravam lá mais para baixo e, com eles, Dª Laura e Dª Loélia, mãe e irmã
dele, respectivamente. Ele e Dª Laís não tinham filhos, talvez o motivo
pelo qual Dª Laís sempre tenha tido uma estima especial por mim. Desde
muito criança, eu usava parte de todo dinheiro que ganhava (usava-se
muito ganhar dinheiro de tio, de tia, de padrinho, de madrinha) para dar
presentes de aniversário e de Natal para a minha mãe e meu pai. E era Dª
Laís que guardava para mim os presentes até a véspera da data em questão.
Era uma cúmplice. Quando eu chegava lá com o presente para guardar, ela
queria saber o que era, se deliciando com aquilo tudo. Parece, pela descrição,
que era uma pessoa doce. Não, não era doce, era uma pessoa
"normal", mas era extremamente amiga e dedicada. Quanto a
ele, Sr. Lívio, passava, cumprimentava, nem com cara de bons amigos
nem de maus. Só passava.
Aí cresci, entrei no Culto à Ciência e Sr. Lívio
só foi ser meu professor no Científico. Naqueles oito anos (sim, porque fiquei
um ano a mais no colégio), poucas vezes peguei uma carona com ele. Primeiro,
que ir a pé para o colégio me era um prazer (certa época, curti tomar o
bonde na General Osório, quando, por exemplo, por umas duas vezes puxei o
saco de Dª Maria Bonjour pagando-lhe a passagem).
Pulo para o 1º Científico, o glorioso 1º
CtB. Eu nunca, mas nunca mesmo, nem na faculdade, consegui colar. E nem
conto isto ufanando-me de tal; pelo contrário, por muitas vezes quis ser
como os normais, mas não conseguia colar. É claro que perguntar pro
vizinho eu sabia! E nesse primeiro científico, resolvi iniciar-me na arte,
justamente numa prova do Prof. Lívio. Fiz cola de todos os teoremas (a
primeira parte da prova sempre era um teorema, desde o tempo de Dª Auzenda,
certo?). Dada a prova, peguei a cola, mas tremia tanto, tanto, que Sr. Lívio,
com seus anos de janela, me perguntou o que havia. É óbvio que eu
disse "nada", tão óbvio quanto ele entendeu "tudo".
Passou por mim e minha cola caiu no chão. Ele não viu, mas me viu fazendo
o movimento de quem pega algo no chão.
No dia seguinte, almocei, e saí para o Colégio.
Desci a rua e esperei pelo Sr. Lívio no portão da casa dele e, quando
saiu, perguntei se ele me daria uma carona. Carro em marcha, contei a ele o
sucedido e lhe disse que, no lugar dele, eu não acreditaria, mas que tinha
sido minha primeira tentativa de cola. Ele só me disse que havia percebido
tudo e que me agradecia por ter falado com ele. Mas não me disse se
acreditava ter sido a primeira vez.
Fazer o quê?
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Profª
Quinita
Quando entrei no Colégio, em 58, já não estava
mais lá o famoso professor de Português Francisco Sampaio, filho do não
menos famoso Prof. Benedito Sampaio. Eu os conhecia de nome, aquele, pelo
meu irmão, este, pelo meu pai, e sabia-os serem duas feras. Como nunca me
especificaram se a ferocidade era só no Português ou se também na
manutenção da disciplina, generalizei: eram feras nas duas coisas.
Assim, acho que dois ou três anos depois, quando soubemos que viria
a ocupar a cátedra de Português mais uma da família, meu pensamento não
foi outro senão "Ai, meu Deus!".
Chegou a fera. Não se pode dizer que fosse uma
mulher de riso fácil, mas não era também de sisudez. Braveza, jamais.
Sem querer fazer trocadilho, era uma mulher de classe.
E fui tendo com ela minhas aulas de Português,
aprendendo, aprendendo, aprendendo, até que hoje, embora eu não
saiba mais identificar ou exemplificar uma oração coordenada sindética
aditiva (nem sei se o que escrevi está certo), o conceito destas coisas e
de todas as outras está sedimentado em mim, fazendo que eu as
use "sem sentir". Ela ensinou, eu aprendi.
"Prestem atenção: o nome deste escritor,
Almeida Garrett, diferentemente de como costumamos falar, pronuncia-se,
sim, o t final. É Almeida Garreti".
Suas aulas eram todas boas, mas para mim superavam
as horas literárias. Aquilo era soberbo! Ela fazia com que um bando de
rapazotes se transformasse numa confraria literária e dissecasse uma jóia
qualquer da literatura portuguesa ou brasileira. E sua postura na
aula, preciosa! Ficava lá no fundo, atenção extrema, sem interferir.
Ela nos levava a sério.
Eu gostava muito também das redações e por dois
motivos: o primeiro, é que eu gostava de fazê-las e, o segundo, é que
em uns noventa por cento das vezes as minhas estavam entre as que ela lia
para toda a sala. Meu ego elevava-se à estratosfera.
Depois que saí do Culto à Ciência, em 65, só
fui revê-la entre sete e dez anos atrás. Sei que faz o mínimo de
sete, porque eu ainda trabalhava na Garoto e saí de lá em 95; sei que
faz o máximo de dez, porque Liliana, sua filha, já morava na Holanda e
faz dez anos que está lá. Foi num aniversário do Zé, seu genro. Foi um
doce encontro. E, daí, fui vê-la novamente em 98, na festa do Culto à
Ciência. Falamo-nos pouco, como pouco falamos com todos, tal a vontade de
falarmos muito com tantos. Não consegui tirar com ela uma foto, mas dela
tirei uma, furtivamente. Tenho-a guardada.
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O Prof. Amauri, na 1ª série (começava com números
relativos), ensinava uma coisa nova e, em seguida, dava uma série de exercícios
rápidos, para fixação. Terminado cada exercício, ele mandava
levantarem as mãos todos que tivessem acertado. Havia um aluno responsável
por anotar os "acertantes", o que valia pontos na média (não me
lembro mais do critério).
Não sei se havia alguém que mentia ou não, mas
aquela confiança que ele depositava em cada um de nós era extremamente
desencorajadora a um mentiroso potencial. Pois bem; acho que é o
exemplo mais remoto que tenho de um professor ensinando respeito, confiança,
cidadania e outros valores que, hoje, estamos, como Diógenes, procurando
com a lanterna acesa.
Obrigado, Prof. Amauri.
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Prof.
Calazans
Curioso! O Prof. Calazans não deixou em mim uma
marca de afeto nem de desafeto. Deixou-me a lembrança de seu modo
de ser, correto, sério, íntegro, mas nada que eu possa dizer
"gostava muito dele" ou "não gostava dele". De
fato, uma lembrança sem amores e desamores.
Era sério, como sabemos, o famoso Corvão.
Apelido perfeito para quem vivia de terno escuro, preto ou marinho (muitíssimo
mais o preto), seriíssimo e que impunha uma disciplina de
sepulcral silêncio.
Era invariavelmente a mesma coisa: sentava-se,
fazia a chamada (na mão direita, a caneta, na esquerda, a tampa da
caneta entre o polegar e o indicador, e os demais três dedos
esticados), levantava-se, encostava o corpo na lateral da mesa, punha no
bolso a mão oposta à mesa e dava a matéria do dia, sem olhar para nós,
mas o olhar perdido na parede do fundo da sala. A mão que estava livre
fazia uns gestos, não sei se vocês se lembram, os dedos assim meio que
abertos, mas não propriamente espalmados, mas, sim, ligeiramente
dobrados, como mão de Papa quando dá a bênção. De vez em
quando, dava uma estirada nos dedos e, de tempos em tempos, ia à
lousa desenhar um coração para nos diferençar aurículos de
ventrículos.
Eu o vi bravo umas duas ou três vezes: a postura
corporal era exatamente a mesma, aquela ao lado da mesa, e não gritava;
a diferença é que, ao dar a bronca, arreganhava os dentes, como faz um cachorro.
Suas provas sempre tinham uma questão
dissertativa valendo 4 pontos e 6 perguntas valendo 1 ponto cada.
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Profª
Maria José
A Profª Maria José, de Geografia, era a
Calazans de saia (ou, em tempos do poder feminino, ele, o Maria José de
terno). De guarda-pó branco, falava andando o tempo todo pela sala.
Anotávamos tudo, todos nós. Nâo interessava se tinha no livro ou não,
anotávamos tudo. Ela, na sua famosa postura, nem ditava nem discorria.
Sabia que anotávamos tudo, mas não dava a colher de chá de falar mais
devagar. Então, era uma loucura! O braço doía, a gente dava aquelas
dobradas e desdobradas de relaxamento, com aquela cara típica de dor,
ela via e não se condoía. Seguia em frente.
Uma das coisas mais misteriosas para mim era as
suas anotações quando fazia argüição. A pauta, assim como até
hoje, era toda quadriculada. Pois a gente ia respondendo e ela ia
fazendo, dentro daquele minúsculo quadradinho, microssinais. Ela não
se preocupava com a pauta aberta, porque a gente não entendia nada,
mesmo. Olhava-se e o que se via era um quadradinho todo decorado, como
sinais em braile.
Era bonita, muito bonita. Séria e bonita. Bonita
e brava. Brava e competente. Eu gostava muito dela. Aliás, aluno gosta
de professor rígido, sabiam?
Nunca, nem em garoto, gostei de chiclete. Pois não
há de ver que, certa vez, resolvi mascar um chiclete não só em aula,
como na aula da Prof. Maria José? Eu tinha, por certo, perdido toda a
noção de perigo. Não masquei, fiquei com aquele chiclete quieto
dentro da boca, mas quem disse que ela não percebeu? E a coisa foi
assim, imaginem: naturalmente, andando pra lá e pra cá, falando e
falando, veio naturalmente até a minha carteira, esticou o indicador
quase que no meu nariz e, completa e totalmente inserida no assunto
que discorria, no mesmo tom de voz, disse a frase "este aluno, tire
o chiclete da boca".
Ela morava perto do Colégio. Morava na Antonio
Lobo, em frente àquele jardim que se forma com a Delfino Cintra (é
jardim mesmo ou era um terreno vago que hoje estaria ocupado?). Então,
por algumas vezes, quando estava chegando ao Colégio, encontrávamo-nos
na esquina e subíamos juntos aquele final de trajeto (seria Falcão
Filho o nome da rua?). Falávamos generalidades, ela, em poucas
palavras: era implacável no seu jeito de ser. Eu gostava muito
dela.
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Profª
Eclayr
Aí, vem Dª Eclayr, outra das minhas musas
(fidelidade a uma só musa não era muito a minha especialidade).
A sorveteria Torre di Pisa nasceu na
Benjamin Constant, entre Francisco Glicério e Regente Feijó. Na
esquina da Glicério, o Hotel... Astória?, depois um prédio baixinho,
de dois andares e, daí, a sorveteria. Eu e meu irmão Gustavo íamos
à sorveteria, como se diz, direto e reto. E era uma glória porque, no
tal prédio pequeno, no primeiro andar, morava Dª Eclayr, ainda
solteira, com a família. E o apartamento tinha uma varandazinha e
aquela família estava sempre ali. Então, eu tinha dois prazeres: tomar
sorvete e ver Dª Eclayr. E ela sempre cumprimentava alegremente.
Nas aulas, impressionava-me a facilidade com que
ela transitava entre assírios, caldeus, babilônios, fenícios, medas e
persas. Circulava pela Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates, da
mesma forma que eu andava pela rua 13 de Maio. Eu, de minha parte,
misturava tudo. Eu fixava mais os egípcios e a babilônios, com certeza
porque tinham fortes ícones: os primeiros, as pirâmides e múmias e,
os segundos, os jardins suspensos. Lembro-me também de um tal persa que
atravessou não sei que montanhas com elefantes. É claro que me
lembro de muitas outras coisas, mas que na época eu confundia,
confudia.
Para terminar, deixe-me lhes dizer o porquê de
eu ter falado, por último, destes três professores. É que eu tomei
bomba na terceira série do ginásio? Pois é: Ciências, Geografia e
História ou Calazans, Maria José e Eclayr. Mas jamais, em tempo algum,
me ressenti com eles. Vagabundeei mesmo naquele ano, that's the
point. Só me lembro de, primeiro dia de aula do ano seguinte, Dª
Auzenda entrando na sala e, me vendo, franzindo a testa em
desentendimento. Pudera! Eu era ótimo na sua matemática.
E com o coração sempre cheio de esperança,
naveguei novo ano pelo Nilo, Tigre e Eufrates, desci falésias e cruzei
planícies.
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© Carlos Francisco Paula Neto - última atualização em
21/09/2018
e-mail :
carlospaula@cultoaciencia.net