Memórias do "Culto"

Maria Cristina R. Funchal Oliveira, Dezembro de 2002

 

Oi Pessoal

Fiquei muito feliz ao encontrar esse site. Internet é uma coisa mágica, pois é capaz de criar um túnel do tempo em segundos e eu que sempre assisti a esse seriado agora parece que faço parte dele.

Obrigada pessoal por essa iniciativa, encontrei o site ontem à noite e hoje, um sábado, levanto bem cedo para poder escrever as emoções que tive, quando fizemos um encontro da turma de 77 do nosso querido colégio, isso foi em 1995.

Após o encontro voltei nas nuvens e precisava deixar alguma marca concreta daquele grande dia, então comecei a escrever. Pensei em mandar para a comissão organizadora do encontro, como forma de agradecimento, mas estávamos na correria do Natal, acabei deixando para depois e o tempo passou.

Guardei o que escrevi numa caixa de recordações, que me acompanha durante todos esses anos, junto com as minhas carteirinhas do colégio.

Agora tenho que agradecer a vocês idealizadores do site, pela oportunidade de poder transpor minhas emoções e quem sabe compartilhar com alguém. Pois bem, lá vai a minha novela, uma parte da história de minha vida.

Hoje é uma segunda feira e eu aqui no meu trabalho, ainda nas nuvens, com as lembranças daquele encontro. Cheguei atrasada, meu filho perdeu o horário do basquete, mas tudo bem, estou  feliz e atrasos a gente dá um jeito, repõe depois. Parece que paira uma magia no ar e a energia daquele grande momento parece ter modificado alguma coisa em mim. E eu que quase não fui, devido às atividades de final de ano. Hoje de manhã, atrasada, levava meu filho ao basquete, falava com ele calmamente a respeito dessa energia contagiante, da importância dos amigos e de quanto eles nos ajudam a viver.

A vida hoje parece mais leve, talvez tenha rejuvenescido alguns anos e a emoção encontra-se a flor da pele. Tive vontade de escrever, da mesma forma que fazia quando tinha 12, 13... anos. Acredito que fazia isso para poder perpetuar momentos, só que muitas coisas escrevi em taquigrafia e hoje não consigo mais decifrar. Depois desses anos todos achava que esse período de minha vida era passado, talvez esquecido, o encontro me deu a noção e que ele estava apenas adormecido.

E hoje tudo volta, a paineira enorme e as aulas de slides da querida dona Odete, professora de geografia, a paina desfiada pelos meninos pairando no ar, no escurinho da aula, a coceira no nariz.

A calma e a ternura do Professor Amaury, as atrapalhadas da Dona Auzenda. E assim a matemática não era um bicho de sete cabeças. O terror do seu Pedrinho, que me fez ter uma certa distância da história.

Os nossos bolos nas aulas de preparação para o lar, os bordados, as bonecas de pano, os quadros envelhecidos, as roupinhas dos bebês. Senti tanta saudade do café com bolinho de chuva, nossa primeira arte culinária... Vi-me novamente vestida com o avental xadrez vermelho e branco, com meu nome bordado em ponto cruz.

Lembro-me dos meninos de avental azul marinho, saindo com pazinhas de lixo nas mãos e na época ficava pensando porque eu não poderia fazer uma daquelas? E tenho certeza que eles também invejavam o cheirinho da nossa cozinha, sempre tinham alguns deles espionando as aulas..

Lembro do professor de português, Terceu, com seu livro de criatividade, que me deu coragem para escrever, eu que tinha medo de errar e por isso preferia não tentar.

O Biojone e os meus desenhos malucos, mas que me davam boas notas. Gastei caixas de lápis de cor, fazendo desenhos geométricos e muitos coloridos, mas acho que colocava neles minha angústia de crescer. Os diedros da geometria descritiva, que me fez professora por um ano de dois alunos que chegaram no segundo colegial e precisavam aprender a matéria do primeiro, fiquei extremamente orgulhosa de fazê-los acompanhar todo o segundo ano e olha que passaram sem exame. Um deles se chamava Marcos, era o Marcão, um rapaz bem alto que participou do time de vôlei, parece que fez farmácia e a outra era Vânia, veio de Piracicaba e se não me engano formou química. Acho que sei deles, pois acredito que todos que ensinam gostam de saber o destino de seus pupilos, acho que gostaria que eles fossem arquitetos.

As mágoas da dona Lúcia, que tanto me fez sofrer na ginástica olímpica. Sempre sonhei em colocar o uniforme do colégio nas competições de ginástica, nunca consegui e chorei por muitas vezes sozinha, no banheiro do vestiário do ginásio de esportes. Por muitos anos não a perdoava, pelas humilhações de ser tirada da equipe na última hora, depois de muito treino, de forma grosseira.

Hoje trabalho com crianças portadoras de deficiência e correções posturais e de movimento, quem sabe se não foi a minha própria dificuldade  que me levou a isso, tudo tem um porque na vida e na minha concepção nada é por acaso.

As aulas de educação moral e cívica, coisas de época de ditadura, mas que me fizeram representante de classe na oitava série, depois que a ginástica acabou, com a saída da dona Lúcia , eu me senti livre e comecei a falar e filosofar e com isso a aparecer.Apesar das frustrações que tinha, sair da ginástica, por livre e espontânea vontade eu não o faria, pois tinha a sensação de derrota, então o destino me deu uma mãozinha, de experimentar um outro lado, sem tanta pressão, fui para a ginástica normal e me senti muito feliz.

Quando contrataram o Fernando para professor da nova equipe, decidi não voltar, estava feliz, leve e muito mais confiante.

O centenário do colégio e o hino que fico cantarolando, lembrando da tal pedra fundamental.

E as imagens vão se passando, como um filme em câmara lenta...

O gravador horroroso das aulas de inglês; a bagunça das aulas de religião obrigatórias; Dona Amália e seu esqueleto; seu Calazans que andou trocando votos de caipirinha,  no primeiro ano de ginásio, por alguns pontinhos nas notas. Quando me lembro dele sempre me vem na mente a tensão superficial; a professora de português que quebrava tijolos, depois de uma apresentação no ginásio de esportes passamos a respeitá-la melhor; no terceiro colegial tivemos uma professora de matemática, gatíssima, que enlouquecia os meninos; as aulas de filosofia; o professor de química que tinha fama de tarado. Pura invenção para dar uma apimentada nas aulas; as provas de física que tinham que ser em meia folha de papel almaço, dobrado ao meio, quanto meio... sinto só ter decorado as fórmulas para tirar as notas; a gracinha da Maria Bonjour,  a rispidez da dona Gladys, que depois acabou virando professora de música, que mudança, quem não viu acredita? Dona Euclídes, Maria da Perna Grossa, o Miltão no controle dos horários e de que tipo de meias usávamos; as calças da Gledson e os sapatos da Top´s, numa época em que se começava a ter alguma liberdade; os desfiles de 7 de setembro, as balizas da ginástica, os escorregões no meio da rua; o calção vermelho e a saia branca curtinha pregueada da educação física; a fumaça de cigarro nos banheiros, os corações de amor rabiscados nas portas. E a loira desse mesmo banheiro, quem se lembra? Um fantasma? Que nada, a gente dizia que era a Flávia Joly.

E o sobrenome de todos:  Felgar de Toledo, Besteti Pires, D´Fonseca, Bahia Wutik, Hilkener Silva, Ceron, Nista Gazi, Lúcio, Bertazolli, Tella Ferreira, Picolotto, Vanti Macedo, Orrico Lima, Dolenc, Prado Souza, Almeida Prado, Herrera, Del Àlamo, Selmi, Paradella, Cabral, Takatori, acho que seria capaz de lembrar de todos, mas acabei não colocando o meu, Ricetto Funchal.

E aí notamos que somos únicos, mas que fazemos parte de uma mesma história, cada um construiu seu caminho, que começou a ser traçado num banco de escola.

A energia desse encontro é inexplicável e em nenhum papel conseguirei colocar tal emoção.

Parece que estou passando por aqueles pátios, vendo a bandeira ser hasteada ao som do sussurrado pimenta da china, pimenta china, pimenta da china, abacate, melancia, tangerina, quando eu morrer eu quero que me enterrem numa cova bem funda, pras formigas não comerem minha bunda. A introdução do hino nacional era sem dúvida um grande risco.

O uniforme cinza, a camisa branca com o emblema no bolso. Estou escrevendo e sorrindo, quem me vê pensa que estou louca e estou, mas de saudade.

Assisti muito ao seriado o Túnel do tempo e acho que ele é possível, estamos nele agora, num tempo mágico em que não existia o ontem, nem amanhã, que nos achávamos imortais.

A saída do colégio, com os meninos com rádio ligados na maior altura, com as músicas da época.

Lembro-me do ônibus lotado na volta do colégio para casa e de como era bom voltar a pé conversando com os amigos.

O boa noite Cinderela, feito pelos meninos do fundão, que roubavam o sapato de alguém.

E a história da barata, um grande susto que levei do Rodrigo Herrera, que prendeu uma  numa caixa de fósforos e abriu na minha frente. O bicho, que era enorme saiu voando e grudou em mim, foi livro para todos os lados e gritei como uma louca. Depois disso, barata é um enorme problema, pra desespero do meu marido. Nesse encontro, depois de 22 anos, o Rodrigo me vem pedir desculpas por isso, disse que não queria que aquilo tivesse acontecido, que essa história sempre esteve na sua cabeça. Por incrível que pareça, o pedido de desculpas, foi uma das coisas mais marcantes de minha vida nesses anos todos.

Ao escrever a emoção desse encontro, por alguns momentos me senti o Chico Xavier psicografando alguma mensagem do além, de tão rápido que escrevia, parecia que não queria perder nenhuma das lembranças.

Essa não é uma mensagem única, é a história de nossas vidas, o envolvimento de crianças que cresciam juntas, de adolescentes descobrindo a vida e construindo o futuro.

Minha filha me interrompe para perguntar se eu vi a Motinha, a prima da Cláudia Raia. Eu digo que sim, que conversamos bastante e matamos a saudade.

O que posso dizer é que me sinto muito feliz e preciso agradecer a essa equipe de detetives que proporcionou essa grande alegria a todos nós.

Um feliz Natal para todos e se Natal é renascimento, no encontro foi Natal, pois renascemos naquele dia! Mais uma vez estamos nos aproximando do Natal, será que foi só uma coincidência ter descoberto o site na mesma época, acredito que não. Renasci outra vez no dia de hoje.

Feliz Natal para todos e que todas as crianças e adolescentes desse nosso país possam ter lembranças boas da época de colégio.

Que as escolas possam voltar a ser o porto seguro de todas elas, que os nossos governantes nunca se esqueçam disso e parabéns pela iniciativa de todos vocês do SAC, pois quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

 

 


© Carlos Francisco Paula Neto - última atualização em 21/09/2018
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