Patrícia B. Gennari, Correio Popular


 

Degradação ofusca história do 'Culto' (Correio Popular - Cidades - 11/9/2005)

 

Patrícia Bressan Gennari
ESPECIAL PARA A AGÊNCIA ANHANGÜERA


Não é difícil encontrar nomes de figuras ilustres como o aviador Alberto Santos Dumont, a atriz Regina Duarte, o apresentador Faustão, o poeta Guilherme de Almeida, os ex-prefeitos campineiros Heitor Penteado, Perseu Leite de Barros e Francisco Amaral nos livros de história. Mas essas e outras tantas personalidades também têm seus nomes nos registros de ex-alunos da escola campineira Culto à Ciência. Hoje, os vestígios das histórias contadas por fundadores da escola estão escondidos entre as pichações e a estrutura deteriorada de um local considerado patrimônio.

 

Durante um século, o colégio foi referência em ensino de qualidade no País. Alicerçada nos ideais positivistas, abolicionistas e republicanos, que fervilhavam na época de sua fundação, em 1874, a escola teve como um de seus fundadores Manuel Ferraz de Campos Salles, presidente do Brasil entre os anos de 1898 e 1902, e chegou a receber a visita do Imperador D. Pedro II.

 

As vagas eram disputadas e percorrer os corredores sobre o piso de mármore, descer as escadas de madeira esculpidas à mão e sentar nos bancos concorridos do colégio era uma honra e um privilégio para poucos.

Poucos como a economista Elenir Aparecida Ortolan, que passou pelo "Culto" entre os anos de 1955 a 1963. "Eu amo aquela escola", diz, com nostalgia, ao lembrar os tempos em que foi aluna. Segundo ela, existia muita rigidez no ensino. "Não passava se não sabia, além disso, o chão da biblioteca parecia um espelho, de tão bem cuidado, era lindíssimo."

 

Outro ex-aluno, o professor João Batista Tojal, fala da escola como se falasse de sua própria casa. O lugar onde viveu momentos inesquecíveis fez com que, depois de formado, desistisse da profissão de economista para se tornar professor de Educação Física da escola. "Fui aluno em uma época em que o colégio era um templo do saber." Ele também administra a Sociedade Amigos do Culto à Ciência, que visa dar apoio à escola.

Em 1974, a escola passou a pertencer à rede estadual de ensino. Hoje, o Culto à Ciência sofre com problemas comuns às escolas estaduais. Em três décadas, passou da excelência no ensino para se tornar mais uma entre outras cheias de dificuldades educacionais e estruturais. "Quando vim para a escola, pensei ter pegado um abacaxi enorme para descascar", conta a diretora Débora Seneme Gobbi. De fato, além dos problemas comuns à rede pública estadual, a escola sofre com a falta de conservação.

 

A construção centenária é a evidência física da degradação da escola. Sem apoio do governo estadual, o prédio tombado pelo patrimônio histórico mingua a cada ano, a cada chuva, a cada aluno que picha suas paredes, que ainda preserva os desenhos originais. A piscina da escola sofre com a ação do tempo. Os poucos azulejos que restaram estão pichados. No lugar da água, mato e sujeira. A reforma feita no telhado não resolveu e ainda continua chovendo dentro da escola, inclusive nas salas de aula, conforme contou alguns alunos que preferiram não se identificar.

 

Além de atrapalhar as aulas, o problema pode afetar o valioso trabalho que vem sendo feito com o acervo bibliográfico da escola. Livros raros estão sendo restaurados por um grupo de alunos e professores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A diretora pretende, depois de terminado o trabalho de restauração, montar no segundo andar um memorial aberto ao público. Entre as obras raras, está uma edição em francês de Os Sermões, do padre Antônio Vieira, de 1679, além de dois volumes de Os Lusíadas, de Luís de Camões, do ano de 1731.

 

"Apesar dos problemas, nós não estamos parados", diz a diretora, que também já solicitou junto à
Secretaria de Educação a reforma do ginásio de esportes, da piscina e de outros ambientes. Ela também está lançando a proposta de cada ex-aluno adotar um móvel antigo e restaurá-lo.

 

Mesmo com a boa vontade da direção e dos ex-alunos, a escola ainda precisa contar com a colaboração de quem senta diariamente nos bancos do Culto à Ciência. Os atuais alunos são os maiores responsáveis pela conservação do prédio, além de levar o nome da escola adiante, retomando os bons tempos do ensino de qualidade.

A identificação dos alunos com a escola é a maior barreira. Para Tojal, a maior parte dos alunos que
passam pela escola são provenientes de regiões diversas, inclusive de cidades vizinhas. "Fizemos um levantamento e constatamos que os alunos vem de 34 localidades diferentes", conta Tojal, que atribui o fato à grande dificuldade de envolvimento dos alunos com a escola e, conseqüentemente, o compromisso em conservá-la.

 

A aluna do primeiro ano do ensino médio Elaine Cristina da Silva é um exemplo dessa diversidade. Moradora do bairro Padre Anchieta, ela conta que acha a escola legal e diferente, mas não sabe muito da história. "Não conheço muito, não reparo no prédio, para mim é normal", define.

 

Segundo a Fundação para Desenvolvimento da Educação (FDE), órgão responsável pelas obras no Culto à Ciência, foram concluídas reformas em outubro do ano passado, incluindo os banheiros e instalções elétricas e a troca do telhado. Não há previsão de reforma da piscina.

 

A FDE explicou ainda que o prédio escolar é tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado (Condephaat) e, por isso, toda intervenção deve seguir normas técnicas rígidas. 

 

(Colaborou Fabiana de Oliveira/AAN)

 


© Carlos Francisco Paula Neto - última atualização em 21/09/2018
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